A TI e seus impactos socioambientais
Não há dúvidas sobre a relevância que a TI vem apresentando no contexto da gestão organizacional, afinal todos os setores econômicos fazem uso e já são, inclusive, dependentes da mesma, ainda que em diferentes graus. Os avanços da TI nas organizações alteraram desde a forma como controlamos as rotinas e recursos internos até os meios de interação com stakeholders, permitindo o surgimento de novos modelos de negócio até então inimagináveis. Setores como comércio, transporte e hotelaria sofreram verdadeiras revoluções desencadeadas por plataformas online, que apresentaram uma forma inovadora, ao mesmo tempo que completamente dependente da TI, para unir demanda e oferta de produtos e serviços.
Apesar dos inúmeros aspectos positivos relacionados, o uso intensivo deste tipo de tecnologia também acarreta em efeitos colaterais cada vez mais expressivos. No que se refere à sustentabilidade ambiental, por exemplo, estima-se que TI seja responsável por mais de 2% das emissões de gases relacionados ao efeito estufa na atmosfera somente através da energia utilizada para alimentar nossa infraestrutura tecnológica. Com o advento de novas tecnologias intensivas em uso energético, como o blockchain, este cenário se torna ainda mais preocupante.
Além do alto consumo de energia, a preocupação com o descarte adequado destes equipamentos é fundamental pois também resulta em diversos impactos significativos, tanto ambientais quanto sociais. Tais impactos incluem a degradação de ecossistemas e a incidência de enfermidades causadas pela exposição imprópria de adultos e crianças a substâncias nocivas à saúde humana, presentes na composição destes equipamentos. Os equipamentos de TI são responsáveis, portanto, por uma fração considerável dos impactos ambientais gerados pelas atividades humanas, seja através do consumo de energia durante a fabricação e utilização dos mesmos, ou através do descarte de materiais tóxicos no meio ambiente ao final de sua vida útil. Não obstante a gravidade destes impactos, a área de TI parece ter avançado aquém do seu potencial na reversão dos mesmos.
Além da eficiência energética
As práticas sustentáveis em TI tiveram início com o intuito de reduzir o consumo de energia dos equipamentos e infraestrutura de TI, focadas principalmente na, até então, baixa eficiência dos Data Centers. A partir disso, outras alternativas focadas na mitigação dos diversos impactos de TI surgiram ao longo do tempo, permeando todo o ciclo de vida destes recursos (ver figura abaixo). Os sistemas de informação podem atuar ainda como catalisadores de iniciativas sustentáveis que extrapolam o domínio de TI, provendo o suporte necessário às demais áreas da organização para implantação de iniciativas neste sentido. Exemplos incluem desde sistemas de monitoramento de indicadores ambientais a sistemas de suporte à telecomputação.
Ausência de métricas difundidas para o fomento de iniciativas sustentáveis em TI – Definição do modelo
Diante do cenário exposto, uma das maiores dificuldades relacionadas ao fomento de iniciativas sustentáveis em TI consiste na ausência de métricas para avaliação destas iniciativas que sejam padronizadas e difundidas por toda a indústria. Torna-se muito mais complicado engajar stakeholders e direcionar seus esforços para um tema quando não temos uma noção clara e detalhada da atual situação do mesmo dentro da organização, principalmente em comparação com as práticas de mercado.
Levando isto em consideração, pesquisadores do Royal Melbourne Institute of Technology (RMIT), na Austrália, desenvolveram um instrumento de pesquisa com o intuito de avaliar a maturidade das empresas em relação a práticas sustentáveis em TI. Como mostra a figura abaixo, o modelo em questão define prontidão em TI sustentável como o construto principal e o decompõe em cinco componentes, sendo eles Atitude, Política, Governança, Prática e Tecnologia.
ATITUDE: traduz a conscientização dos gestores e demais funcionários sobre a importância da sustentabilidade em TI.
POLÍTICAS: Analisa a abrangência e maturidade das políticas internas em TI sustentável e reflete se considerações ambientais permeiam sistematicamente as atividades de TI de maneira coordenada e eficiente na gestão da organização.
PRÁTICA: A análise das práticas de TI sustentável podem ser compreendidas como a materialização das políticas internas em TI sustentável nos processos organizacionais e devem permear todas as atividades do ciclo de vida dos equipamentos de TI.
TECNOLOGIA: Analisa o nível das inovações tecnológicas nos processos de aquisição, uso e descarte dos ativos tecnológicos, fundamentais para a implantação de iniciativas sustentáveis em TI.
GOVERNANÇA: Analisa a maturidade das metas, papéis e responsabilidades para as iniciativas de TI sustentável, assim como o envolvimento da alta gestão e os mecanismos de controle sobre as mesmas.
A Pesquisa
Lançando mão deste modelo, a equipe de pesquisadores da RMIT elaborou um questionário com mais de 60 questões objetivas procurando avaliar cada um destes componentes no ambiente organizacional, classificando-os quanto ao seu nível de maturidade com base nas respostas obtidas. A pesquisa abrangeu organizações presentes na Austrália, Nova Zelândia e Estados Unidos e os seus resultados podem ser visualizados aqui.
TI Sustentável no Brasil
O mesmo formato de pesquisa foi então aplicado no Brasil, direcionada à alta gestão de TI (CIO’s ou equivalentes) nas organizações aqui atuantes. No total, foram obtidas cerca de 50 respostas de empresas dos mais variados setores que nos ajudam a entender a realidade brasileira em TI sustentável.
Análises
Analisando-se as dimensões, estes resultados indicam a existência de um movimento de conscientização, por parte dos colaboradores, favorável à implementação de iniciativas sustentáveis na TI de suas organizações. Entretanto, a falta de sistemas e estruturas de governança que suportem tais iniciativas parece contrapor este comportamento.
Quando comparamos os resultados obtidos na pesquisa internacional com a brasileira, podemos verificar algumas similaridades. O índice geral médio da pesquisa australiana foi de 55%, apresentando uma diferença de apenas 2 pontos percentuais entre ambas. Da mesma maneira, as organizações obtiveram maior média na dimensão Atitude em ambas as pesquisas. Isto sinaliza que as organizações atuantes no Brasil podem estar alinhadas com o contexto internacional no que se refere à prontidão em TI sustentável. Ainda assim, as empresas pesquisadas não apresentaram um nível elevado de maturidade em relação à adoção de práticas de TI sustentável, sinalizando um grande potencial para avanços neste tema. A realização de novas pesquisas, tanto no âmbito acadêmico quanto corporativo, focadas no entendimento e mensuração da TI sustentável é um passo importante nesta direção.
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Sobre o autor
Humberto Thiengo é consultor da Visagio, participou de projetos de reestruturação organizacional, otimização de despesas e engenharia de processos de negócios em empresas dos mais variados setores. Possui experiência em planejamento estratégico através de análise de cenários prospectivos e diagnóstico de desempenho organizacional. Participou de avaliações de novas tendências de mercado, negociações de ativos e parcerias internacionais, envolvendo diferentes unidades de negócio em empresas de Telecomunicações.