O que é cultura organizacional?
No competitivo mundo dos negócios de hoje, qualquer empresa que queira prosperar deve definir claramente seus objetivos e ter um roteiro claro para alcançá-los. No cerne do cumprimento dessas metas está a existência de uma cultura organizacional consistente.
O artigo “What really works” da Harvard Business School, escrito a partir de uma pesquisa com 160 empresas durante 10 anos, destaca a importância da cultura organizacional ao levar em consideração a longevidade das empresas. O estudo aponta que um dos quatro pilares essenciais para uma empresa de sucesso é ter uma cultura organizacional de alta performance (junto aos outros três: Estratégia, Execução e Estrutura Organizacional).
Ao comparar empresas comuns com empresas de alto rendimento, é claro como a cultura tem impacto direto nos resultados. Isso se dá pelo fato de que podemos resumir os elementos que possibilitam um desempenho superior em apenas dois: ‘o que é feito’ e ‘como é feito’. Enquanto a qualidade do produto e preço estão ligados ao primeiro elemento, por mais complexo que o produto seja, ele ainda pode ser copiado. Já o ‘como é feito’ é muito mais difícil de se copiar.
Na visão de Edgar Schein, escritor do livro “Cultura Organizacional e Liderança”, podemos dividir cultura em 3 principais aspectos: artefatos, valores e crenças.
1.Artefatos
Em 1995, ao comparar os preços de escrivaninhas e portas, Jeff Bezos decidiu comprar portas e montar as primeiras mesas da Amazon com elas. Até hoje elas se tornaram um símbolo de corte de custos e simplicidade para a companhia, um exemplo claro de artefato cultural. Os artefatos são visíveis e fáceis de identificar como os códigos de vestimenta, instalações da empresa, suas cerimônias, a linguagem, etc.
2. Valores
São construídos com o tempo e liderança, deixando claro o que são bons exemplos e maus exemplos a serem seguidos. De acordo com Schein, eles são construídos a partir de ações que se mostraram efetivas repetidas vezes e se consagraram com aceitação coletiva.
3. Crenças
As Crenças são as percepções, sentimentos compartilhados pelos membros da organização que deram resultados positivos, consolidando-se e sendo aceitas, incorporando-se e consolidando-se no nível do inconsciente e se transformando em um pressuposto básico. Trazendo para uma visão prática, na Amazon existe a crença de que “a melhor forma de falhar ao inventar algo é fazer com alguém part-time”. A partir disso, todo projeto mais crítico é liderado por algum talento empoderado para ser dono full-time, essa boa prática é chamada de single-threaded leader.
No artigo The Leader Guide to Corporate Value os autores apresentam um framework para interpretar e classificar a cultura de uma companhia. Eles sugerem segmentá-la em dois eixos principais:
- Interação entre colaboradores: culturas inclinadas à autonomia e competitividade das que valorizam mais a integração de pessoas e trabalho em equipe.
- Resposta à mudança: diferencia culturas que priorizam consistência, regras, hierarquia e previsibilidade de outras que priorizam inovação, diversidade e flexibilidade.
Essa estrutura pode ser utilizada para avaliar as características que a cultura de uma empresa reforça mais, ou prever/entender problemas culturais. Por exemplo, uma cultura que preza por Acolhimento e Ordem se beneficia de lealdade, retenção elevada e sentimento de equipe, mas o distanciamento do foco em resultados pode levar a decisões baseadas em consenso e falta de críticas honestas para evitar conflitos. Outro exemplo são as culturas focadas em Resultados e Aprendizagem podem usufruir de grande agilidade e desenvolvimento/atração de jovens talentos, mas podem sofrer com alta rotatividade. Assim, cabe aos líderes decidirem com cautela como se aproveitar ao máximo da cultura da empresa, e para onde transformá-la se necessário.
O MIT realizou uma pesquisa avaliando a cultura de 500 empresas mostrando o que diferencia as empresas líderes das outras através de entrevistas com os colaboradores. O relatório sobre a Amazon, por exemplo, mostrou que a empresa recebeu avaliações bem acima da média nos critérios de Inovação (Aprendizagem), Foco no Cliente (Resultados) e Execução (Resultados). Seu crescimento expressivo na última década evidencia o poder dessa cultura. Para manter a alta execução, ela possui metas agressivas de demitir funcionários com desempenho abaixo da média, além de oferecer dinheiro aos funcionários para se demitirem quando não são apaixonados pela empresa. Ela possui uma cultura extremamente focada em Aprendizagem e Execução abrindo mão dos altos níveis Segurança e Acolhimento para seus colaboradores.
Quais os desafios de criar uma cultura digital?
As principais características das culturas digitais são bem conhecidas: tolerância a falhas, experimentação, segurança psicológica, alta colaboração e hierarquia horizontal. Elas favorecem a agilidade na operação e também possibilitam a inovação constante nos produtos, serviços e processos internos. Existem diversas empresas nativas digitais como Amazon, Netflix, Google e Apple que adotaram tais práticas com sucesso nos últimos anos, além de várias outras empresas “tradicionais” que conseguiram mimetizar essas práticas em suas culturas. Porém, apesar da vasta literatura no assunto e exemplos que não faltam, muitas empresas falham em adotar uma cultura digital.
Gary Pisano, professor da Harvard Business School, concluiu que as características digitais costumam ser mal interpretadas, por exemplo, muito se fala da cultura de experimentação, mas nem todos têm a disciplina para sua execução. As ideias de Pisano foram reunidas no artigo The Hard Truth about Innovative Cultures, explicando quais são os complementos essenciais, geralmente esquecidos, para as características de uma cultura digital:
Características | Complementos | Como fazer? |
Tolerância a falhas | Intolerância a incompetência | – Tolerância a falhas exige pessoas extremamente competentes. Contrate os melhores! – Alinhe expectativas sobre a desempenho esperado e deixe clara a diferença entre falhas produtivas e improdutivas – Comunique bem ao time, caso contrário desligamentos podem ser interpretados como punição ao fracasso |
Experimentação | Alta disciplina | – Selecionar cuidadosamente os experimentos com base no seu potencial – Ter critérios claros para abandonar ou continuar com uma ideia – Aprender com os erros e seguir para caminhos mais promissores – Dados são fundamentais |
Colaboração | Responsabilidade individual | – Buscar ajuda dos colegas deve ser natural, mesmo que isso não esteja na descrição dos cargos – Os indivíduos tomam as decisões e precisam ser responsabilizados por elas – Líderes devem ter o comportamento “Você assume o risco e eu assumo a culpa” |
Hierarquia horizontal | Liderança forte | – Baixa hierarquia está na cultura muito mais do que no organograma – Autonomia para tomada de decisões com base na competência e não no título, por quem está mais próximo do problema – Liderança forte e visionária que comunique bem as prioridades e direções |
Segurança psicológica | Desafiar diretamente | A franqueza é fundamental para a inovação, é assim que as ideias evoluem e melhoram – Organizações brutalmente honestas geralmente não são os locais mais confortáveis para se trabalhar – Líderes devem dar o exemplo e pedir críticas às suas ideias e sugestões |
Apesar de parecerem conflitantes e contra intuitivos, esses elementos são bastante recorrentes entre as empresas mais inovadoras do mundo. Embora não sejam tão divulgados quanto às características “legais” da cultura, são a diferença entre inovação sustentável e iniciativas frustradas.
Como implantar a cultura digital?
O desafio de transformar a cultura presente em uma empresa leva tempo e exige grandes esforços (e patrocínio). Ao longo de nossa experiência, ajudamos nossos parceiros a estabelecer processos e rituais que permitam que as pessoas se sintam incentivadas a trabalhar rumo a uma visão e propósito conjuntos.
Um dos elementos fundamentais na mudança da cultura é a definição da visão da empresa. Este norte fará com que as pessoas saibam o que perseguir no longo prazo e, além disso, permite que a liderança crie um senso de urgência coletivo desenhando os cenários possíveis caso a empresa não mude. Além disso, mesclar os talentos internos com pessoas vindas de fora da companhia e que tragam os aspectos culturais desejados ajuda a acelerar o processo, trazendo os questionamentos necessários e com uma visão não viciada.
O exemplo vindo da liderança e uma comunicação constante garantem o desdobramento da cultura para as camadas da média gerência, coordenações e enfim os colaboradores. Essa etapa é tão importante que alterações no quadro de executivos são comuns, para promover o alinhamento com a visão cultural almejada. As culturas são seletivas, promovendo aqueles alinhados com ela e afastando os demais. De acordo com The Leaders Guide to Corporate Culture, essa característica causa a alta durabilidade e dificuldade na transformação das culturas.
Em momentos de mudanças de hábitos, rotinas e padrões, é comum o uso de artefatos tangíveis que facilitem vislumbrar a nova cultura, sejam símbolos, redesenhos do layout do ambiente de trabalho, lemas e direcionamentos descritos em manuais. Novos rituais e padrões de gestão podem ser um ponto de partida para uma mudança mais abrangente no modelo organizacional da companhia, fazendo com que as pessoas tenham contato constante com a nova forma de trabalho e questionamentos.
O feedback contínuo para cada colaborador garante um realinhamento constante de expectativas, dando visibilidade aos desalinhamentos e garantindo a promoção de aspectos culturais desejáveis. As avaliações de desempenho são apenas mais uma forma de processar e reforçar esses aspectos, embora devam ser encorajados os feedbacks constantes e tempestivos. Além disso, incentivos financeiros ou qualitativos oferecidos para aqueles que agem conforme o esperado são uma forma eficiente de engajar os colaboradores (podendo inclusive ser criados artefatos da cultura para essas premiações).
Conclusão
Há várias características que podem apoiar uma cultura organizacional de sucesso. Não existe um único e exclusivo conjunto de atributos para tal e sim um equilíbrio entre as vantagens e desvantagens dos valores desejados pela empresa, que irão naturalmente guiar as práticas.
Apesar de não possuir uma resposta correta para a definição das características de uma cultura organizacional digital, podemos encontrar sinergias no processo de implantação de tal cultura, ou seja, mesmo que não tenhamos um único padrão desejado, há vários aspectos em comum entre as culturas de maior desempenho e inovação. É importante que a empresa entenda bem esses aspectos, quais se encaixam em sua própria realidade e decida quais são as mudanças mais urgentes.
Uma forma de acelerar o processo de implantação é a de feedbacks constantes e sinceros, com o intuito de direcionar cada colaborador para um único objetivo: o de alcançar uma cultura de excelência entregando resultados sustentáveis.