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Do ponto de vista de supply chain e logística, a integração dos canais de atendimento ao cliente com a proposta de uma experiência única, torna-se um dos principais desafios. Isso porque a tomada de decisão e a operacionalização desse atendimento ao cliente, fazendo o produto chegar às mãos dele no momento esperado (e cada vez mais rápido), com um fluxo de informação quase online, já é praticamente o mínimo requerido. Essa orquestração envolve gestão de estoque, métodos de previsão, monitoramento de transporte e sistemas que suportem e integrem tudo isso. São tantas variáveis que até a priorização do investimento de recursos e tempo é uma tarefa difícil.
Somando estas variáveis com o conhecimento da jornada do cliente e dos principais pontos de contato (touchpoints) da organização ao longo dessa jornada, algumas perguntas referentes à operação começam a surgir:
Programas de transformação megalomaníacos que promovam big bangs na estrutura e na operação da empresa tendem a gerar mais confusão do que resultado efetivo. Mesmo havendo um grande caminho de mudanças a ser percorrido na direção de uma operação omnicanal, é extremamente importante manter a filosofia de experimentação rápida em menor escala para aprender e corrigir os erros antes de ampliar essas mudanças.
Veja aqui o segundo insight dessa série: Por que Omnichannel? – Os benefícios da Jornada do Cliente.
Ao se rediscutir a operação, alguns temas bem conhecidos dos profissionais de supply chain e logística precisarão ser adequados para uma visão de negócio diferenciada, que atenda as altas expectativas do consumidor moderno. Mergulhar nesses temas tende a auxiliar na busca por respostas às perguntas feitas anteriormente:
Revisão de rede logística flexível e integrada
É imprescindível um bom posicionamento físico, com proximidade ao cliente final que resulte em conveniência e velocidade de resposta. Não é segredo que a velocidade de mudança de cenários nunca foi tão grande e que as empresas estão em um momento chave de Transformação Digital.
Essas mudanças, sejam elas motivadas por novas tecnologias e/ou alterações no comportamento dos consumidores, impactam, diretamente, no dia a dia das operações e nas decisões sobre ativos físicos como fábricas, centros de distribuição e lojas.
Decisões antes tomadas com horizontes de longo prazo, passam a necessitar de revisão com uma frequência muito maior. Um bom exemplo dessa mudança são projetos de site location de plantas produtivas e centros de distribuição. Antes realizados com intervalos de anos ou mesmo décadas, hoje são revisitados dentro do mesmo ano, em alguns casos, de modo a conseguir capturar a dinâmica do mercado.
A conveniência é um requisito cada vez mais forte e imperativo na visão do consumidor moderno, principalmente no varejo. Essa característica pode se manifestar de diversas formas e, no âmbito de supply chain e operações, a principal consequência imediata está na localização de centros de distribuição e da rede de lojas, assim como os impactos financeiros dessa nova rede de distribuição.
Esse comportamento pode ser atribuído, pelo menos em parte, ao modelo de operação difundido por grandes players, como a Amazon, que por meio de uma proposta de valor diferenciada de centralidade no cliente, definiu um novo patamar de nível de serviço para o varejo global, também conhecido comoo Amazon-like experience. Como quase todos os produtos têm possibilidade de entrega para até o dia seguinte e outra boa parte para o mesmo dia, a Amazon escalou sua operação e atingiu volume suficiente para pressionar operadores logísticos e, até mesmo, em alguma medida, dominar o mercado americano ao mesmo tempo que tornou o same day delivery o padrão para satisfação do cliente.
Ao analisar a quantidade de combinações de canais de compra e distribuição existentes hoje, além dos mais tradicionais compra na loja, com retirada do produto imediata ou compra online, com recebimento posterior o produto em casa), a complexidade de fluxos possíveis e a inteligência necessária por trás do processo decisório de atendimento é enorme. Somente para citar algumas das possibilidades que vem ganhando espaço, principalmente no mercado americano, o BOPIS (buy online, pick up in store) ou click and collect, quando cliente escolhe buscar um item que já está na loja, e o ship to store ou ship to locker, quando o item é enviado para loja ou para um armário para ser retirado pelo cliente, já chegam a ser utilizados por, respectivamente, em torno de 25% e 12% dos consumidores, segundo o relatório The eMarketer Ecommerce Insights Report, da Bizrate Insights (2018)
De qualquer forma, mesmo sem considerar a complexidade adicional dessas combinações para a operação logística, o crescimento do ecommerce com entrega em domicílio por si só já altera a dinâmica da rede de distribuição. Se por um lado a necessidade de estoque nas lojas físicas pode reduzir, por outro, o custo de transporte global no last mile (última milha até o destino final), que era “absorvido” pelo cliente quando saia com o produto da loja, tende a aumentar para a empresa com a entrega direta, principalmente pela maior preferência dos consumidores pelo frete grátis.
O resultado dessa combinação de fatores pode ser observado em pesquisa divulgada na Report Eye For Transport Report com executivos e profissionais de logística e supply chain de empresas participantes do 3rd Retail Supply Chain Summit.
Os principais motivadores para adequação da rede de logística foram a combinação de origem da demanda / fonte de atendimento / ponto de entrega (alinhado a crescente complexidade oriunda do modelo omnicanal) com 81,5% e o custo da operação (crescente pela inadequação da rede atual ao modelo omnicanal) com 77,8%.
No modelo “tradicional” de atendimento, uma grande quantidade de lojas era atendida a partir de um centro de distribuição centralizado, com baixa customização do mix de produtos por loja/região, o que ajudava a gerar escala para operação de armazenagem e de transporte. O foco das operações era, quase em sua totalidade, o atendimento às lojas, com percentual reduzido de entregas D2C (direct-to-costumer), mesmo por vendas via catálogo ou telefone.
O resultado final foi um acréscimo de custo considerável no last mile, sem nível de serviço associado, principalmente porque a rede não havia sido desenhada com essa visão de atendimento direto e, portanto, os centros de distribuição não estavam localizados próximos aos clientes finais (apesar de uma melhor localização do produto implicar em maiores custos de armazenagem, realizar o transporte fracionado de last mile em grandes distâncias é, em linhas gerais, bem mais custoso). Além disso, o tipo de pedido gerado para atender ao consumidor final era totalmente diferente da ordem de atendimento a uma loja (maior nível de fracionamento de carga, necessidade de customização/montagem de kits específicos por ordem, etc).
No relatório Eye For Transport, Preston Mosier, o vice-presidente global de supply chain da varejista americana Target, cita essa obsolescência da rede ao dizer que “grande parte da nossa cadeia de suprimentos foi construída há muito tempo atrás e para um cenário diferente de varejo”. Nesse sentido, após ter clareza da jornada do cliente e de suas interações e decisões entre os canais de compra e atendimento, é quase inevitável repensar a rede logística como um todo. Grandes varejistas americanos e mundiais, como a própria Target, Walmart e Zara já entenderam que adequar pontualmente a rede é pouco para o tamanho do desafio que estão enfrentando.
Esse processo passa inclusive pela reavaliação dos modelos de loja, com adoção de formatos mais simples e menores, eficientes em custo (menos estoque e mix customizado para a localidade), lojas pop-up ou temporárias e preparadas para processar e enviar pedidos realizados nos canais digitais. Assim como a Target, a Best Buy, grande varejista de eletrônicos americana, avalia sua extensa rede de lojas como um dos seus principais diferenciais por considerá-las seus “centros de distribuição” espalhados pelo país e próximos ao cliente final. No Brasil, a marca de calçados e bolsas Arezzo vem investindo no formato chamado Arezzo Light, com lojas mais enxutas para atendimento a municípios de população até 250 mil habitantes, viabilizando inclusive vendas online na loja para entrega em casa, quando não há disponibilidade em estoque do produto.
Com adoção dessas iniciativas, juntamente com o redesenho da cadeia de suprimento, a Target vem experimentando resultados expressivos como a redução dos ciclos de ressuprimento de dias para horas, redução de custo operacional, tanto em transporte como em estoques, além de redução de rupturas de estoque nas lojas.
Adequação do formato das lojas para atuar como mini CDs e CDs para fazer expedição direta para consumidor final
Sejam ou não mobilizados pela necessidade de maior eficiência, não só em termos de custo, mas principalmente em relação à redução no lead time de entrega, a mudança de perfil operacional tanto dos centro de distribuição quanto das lojas físicas é uma realidade que se impõe, em maior ou menor escala, dependendo do setor. A visão clássica de centro de distribuição que realiza recebimento de carretas fechadas com produtos das fábricas/fornecedores e os endereçava para estoque por uma curva ABC (que sofria poucas alterações ao longo do tempo) e tinha que lidar com um mix de SKUs reduzido ficou no passado.
Os ganhos de escala de estruturas gigantescas que atendiam centenas de lojas de forma centralizada tendem a dar lugar para um maior número de CDs de operação mista entre expedição para lojas e para o consumidor final (operações bem diferentes do ponto de vista de armazenagem, picking e expedição). O modelo mais comumente adotado é separar áreas do CD específicas para cada uma das operações, como uma forma de controlar a complexidade crescente que vem de todos os lados (como, por exemplo, maior número de SKUs, mix de expedição mais fragmentado, lotes de ressuprimento menores etc, como já citado).
Uma das maiores mudanças em relação ao modelo antigo é a possibilidade de atendimento dos pedidos online diretamente a partir das lojas, o que também ajuda a reduzir os custos de distribuição no last mile. Além disso, é possível aproveitar o espaço físico liberado nas lojas pela adoção de formatos menores e adequação do mix a cada localidade, para operacionalizar uma “mini-área” para preparação e expedição de pedidos nos fundos de loja, que pode ser realizado pelos próprios funcionários. Essa atuação da loja como um mini CD, também chamada de fullfilment center, tem sido crucial para viabilizar os tão desejados same day e two day delivery, dada a maior proximidade ao cliente final.
Como consequência dessas mudanças citadas, uma outra frente bastante crítica e muitas vezes desprivilegiada, passa a ser ainda mais relevante: a capacitação das equipes das lojas para realizar essas novas atividades. Essa ausência de capacitação e desentendimento do novo modelo pode gerar uma frustração e preocupação generalizada no time, o que pode ser determinante para o sucesso das iniciativas de omnichannel.
Indo mais além, o desalinhamento de indicadores de performance e metas do modelo tradicional com o novo modelo, deve ser eliminado antes mesmo da virada. Os times das lojas são, em grande parte, remunerados via comissão de vendas. E como fica o tempo dedicado para expedir uma venda online? Essa venda irá compor a meta do time, mesmo tendo havido uma contribuição relativamente menor? E se a venda acontecer dentro da loja, mas por um canal online com entrega a domicílio? Então devemos ter mais estoquistas que façam também a expedição?
No caso do modelo de loja em implantação na Arezzo (Arezzo Light), a solução adotada foi a fusão das figuras de vendedor, estoquista e caixa na função de consultor de vendas que atua no processo como um todo. Apesar de não atuar com expedição nesse modelo de loja, o papel de estoquista munda de figura ao se utilizar grandes telas interativas com “prateleiras infinitas” para entrega em casa, ou seja, Nesse caso, não há restrição ao estoque existente na loja e a venda também compõe a comissão do consultor que atuou no processo.
De qualquer forma, ainda existem diversas perguntas sobre as quais não se tem um consenso a respeito do melhor modelo operacional. Por esse motivo e dada a velocidade de mudança atual, o formato de experimentação continuada (ver insight 2 – Por onde começar e como avançar: A jornada do cliente e a experimentação contínua) é a forma mais adequada para aprender e corrigir a rota enquanto a operação acontece.
Unificação da visão de estoques ao longo de toda cadeia
Diversas iniciativas e mudanças citadas nos tópicos anteriores tem impacto direto nos estoques ao longo de toda cadeia. Nesse sentido, a gestão e as políticas de estoque desempenham papel fundamental. Baixa precisão na previsão de vendas e baixa confiabilidade nas operações que resultem em variabilidades no lead time de ressuprimento e de demanda impactam de forma expressiva na experiência do cliente. Essa rede mais capilarizada e com maior velocidade de resposta no ressuprimento, possibilita maior centralização de estoques nos CDs, além da possibilidade de tornar algumas lojas pontos de ressuprimento umas das outras, quando fizer sentido.
Mas para que todo esse modelo se sustente, é imprescindível a unificação da visão de estoque para todos os canais (online e off-line), sem restrição física a ele. Isso quer dizer que, se um CD que atende a determinado CEP diretamente não tem o produto, o sistema gerenciador de pedidos (ou Order Management System – OMS em inglês) enxerga e disponibiliza a opção de atendimento a partir de outro CD ou loja para o consumidor (com o preço ajustado ao novo custo de entrega). Em muitos casos, o que seria uma venda perdida, implicando na perda de margem, se transforma em uma conversão, dado que consumidor está disposto a pagar por isso.
Diversas dessas iniciativas, como aumentar a quantidade de pontos na cadeia de suprimentos ou ter lojas em locais mais nobres e de maior circulação tendem a aumentar os custos logísticos e, consequentemente, pressionar as margens já reduzidas do varejo.
Contudo, operacionalizar essa visão de estoque unificada, utilizando tecnologias diversas, como RFID, ajuda a remar no sentido oposto ao gerar eficiência através da redução do custo de estoques e de distribuição de forma global na cadeia. Mas é preciso ter em mente que para viabilizar modelos semelhantes é necessário grande entendimento do custo de servir, para que se possa avaliar por diversos aspectos (como, por exemplo, clientes, canais e produtos) qual a rentabilidade e de cada operação e até quanto o cliente está disposto a pagar a mais por um nível de serviço diferenciado.
Logística reversa para devolução/troca de produtos e suas componentes sistêmicas e fiscais
Poucas coisas são tão detratoras de valor na experiência do cliente quanto não conseguir realizar devoluções e/ou troca de produtos de maneira simples e em qualquer um dos canais disponíveis. A tão desejada conveniência é fortemente impactada, assim como a percepção de nível de serviço da marca.
Nesse ponto, com a proliferação de tantos canais e pontos de contato com o cliente, a importância de estruturar uma via de retorno igualmente simples, digital e livre de problemas, muitas vezes é deixada de lado. E quando a insatisfação dos consumidores chega aos canais de atendimento, pode ser tarde demais, já que viabilizar essa operação reversa tende a ser bem mais complicado do que parece.
Ao buscar retornar o produto via correio (o que por si só já é um transtorno na maioria das vezes), o consumidor deveria encontrar facilmente o endereço para onde destinar o retorno ou ao menos receber informações claras ao buscar esse tipo de informação. Ao buscar uma loja para trocar ou devolver um produto, é comum o cliente encontrar sistemas que possuem uma série de dificuldades para retornar o produto ao estoque, seja por questões fiscais, seja por existirem restrições sistêmicas em relação ao canal onde o mesmo foi adquirido não ser o mesmo onde ele está sendo retornado.
Todas essas dificuldades são apenas as visíveis e que impactam mais diretamente o cliente. Do outro lado, existem ainda as dificuldades operacionais na logística reversa, que consomem os lucros da organização de forma silenciosa.
Caso o produto em questão não seja do portfólio dessa loja, não esteja mais na coleção vigente é preciso retornar com ele ao CD para destinação adequada. Esse fluxo de retorno não estruturado é uma porta aberta para o desperdício e até mesmo furtos/desvios. O problema é que, com a maior penetração dos canais online (ecommerce por sites, apps, marketplaces, dentre outros), o volume de produtos retornados é cada vez maior e, por consequência, os custos operacionais atrelados a eles também consomem as margens.
Portanto, é bom dedicar algum tempo nessa frente para que todo o esforço dedicado na conquista do cliente não seja jogado fora no momento em que ele precisar fazer uma troca ou devolução.
Mas, e agora?
Como comentado no início, o desafio das empresas em direção a um modelo omnichannel é longo e árduo. Mesmo as empresas mais bem sucedidas em iniciativas do gênero, ainda estão aprendendo e tirando suas conclusões à medida que avançam nessa implantação. Fica claro que não há uma “receita de bolo” ou framework pronto para percorrer esse caminho, mas que o movimento do varejo na direção da integração entre canais online e offline parece ser cada vez mais a única solução para se manter competitivo no mercado. Quem ainda não entendeu essa necessidade, pode estar perdendo um tempo precioso e corre risco de não conseguir correr atrás do prejuízo no futuro.
Referências externas
Ready or Not: Omnichannel Fulfillment & Distribution– Saddle Creek Logistics Services Research (2018)
Sobre o autor
Thomaz Moreira é consultor da Visagio especialista em projetos de logística, supply chain e operações, reengenharia de processos de negócio, reestruturação organizacional, PMO em implementação de projetos, tendo atuado em áreas comerciais, operacionais e de suporte no setor de varejo, bancário, óleo e gás, mineração, dentre outros. Possui especialização em Finanças pelo COPPEAD/UFRJ