Este insight é um estudo de caso produzido por nosso parceiro Roberto Rittes, CEO da Nextel entre 2017-20, em parceria com nosso grupo de estudos em Digital. Ao longo do caso são abordados os fatores que levaram ao sucesso da transformação da Nextel, que culmina com a venda da mesma para a Claro em 2019.
Fight to live another day
Quando assumi a Nextel em abril de 2017, tinha um único objetivo: não deixar a empresa quebrar. Nossas ações, negociadas na NASDAQ, tinham caído 97% em apenas dois anos. A companhia, que foi desde o final da década de 90 monopolista de um nicho atrativo e rentável, serviço móvel via rádio, viu a explosão internet 3G/4G, dos smartphones e do WhatsApp torná-la obsoleta.
Já fragilizada, depois da sua base de usuários encolher mais de 30% em 24 meses, a empresa finalmente lançou serviços 3G em São Paulo e Rio de Janeiro em 2014. Apesar do sucesso inicial em converter usuários do rádio nessas regiões para a nova tecnologia, quando cheguei, a base de clientes da empresa estava estagnada há dois anos. E o grande vilão dessa história era o churn, que à época estava acima dos 4% ao mês – ou seja, em 12 meses a empresa perdia mais de 50% dos clientes que tinha começado o ano. Se do lado operacional a situação era complicada, do financeiro era pior ainda: EBITDA muito negativo e piorando, pouco caixa e uma grande dívida.
Nesse contexto, não havia tempo a perder e parti para um rápido diagnóstico que culminou, 50 dias depois da minha chegada, com o lançamento de um pacote ambicioso de iniciativas de eficiência para tirar a empresa da espiral da morte. Entre erros e acertos, fechamos 2017 com resultados muito animadores: reduzimos o churn em 40%, mais que dobramos o NPS e diminuímos o buraco do EBITDA.
A nova família de planos, extremamente simples, foi um sucesso com os clientes novos e antigos. Isso nos permitiu renegociar a dívida com os bancos, dando fôlego para embarcarmos na transformação completa que vislumbrávamos. Com um time jovem, empolgado e empoderado, estávamos muito animados com a oportunidade de fazer algo grandioso. Os resultados alcançados em pouco mais de seis meses nos mostravam que era possível virar o volante, por mais pesado que ele fosse.
Empolgação à parte, nossa realidade era difícil e não tínhamos nem de perto o poder de investimento das “big 4” (Vivo, Claro, TIM e Oi), então teríamos que fazer diferente. Para isso, definimos quatro pilares que seriam nossos diferenciais: agilidade e clima interno, satisfação dos clientes, custos e inovação. Para trazer mais clareza e pragmatismo, desdobramos esses pilares em 10 missões e assim nasceu o nosso plano para virar o jogo. Chamado de Nextel 2.0, foi lançado quando a Nextel completava 20 anos no Brasil e tinha como objetivo mudar a empresa até 2020. Pelo menos a numerologia parecia funcionar.
Definida a direção, era hora de fazer acontecer. Obviamente uma transformação dessa natureza é um grande projeto de gestão da mudança, o que em vários aspectos é mais complexo que implementar ações pontuais de eficiência, como tinha sido o foco em 2017. O primeiro passo obviamente foi “vender” o plano para toda a empresa e assim embarcamos num roadshow onde ao longo de apresentações mostramos em detalhes para todo o time a visão da Nextel 2.0.
Para manter o engajamento e alinhamento, intensificamos as ações presenciais e virtuais de comunicação, incluindo o relançamento da intranet corporativa usando a plataforma Workplace do Facebook, uma rede social corporativa que pelo formato familiar e orientação para vídeos teve um papel central no nosso dia a dia. Mais importante, incentivamos um diálogo de mão dupla e passamos a usar em todos nossos encontros o slido.com, plataforma que permitia que qualquer pessoa da organização fizessem perguntas, muitas vezes duras e anônimas, mas que eram sempre respondidas de maneira objetiva e transparente. Enfim, esse modelo de comunicação de mão dupla e transparente foi algo que perdurou por todo o ciclo.
KPRs: o nosso paradigma de transformação
Para botar nossa visão em prática, sabíamos que teríamos que mudar a forma como a empresa operava. E a verdade é que no início tínhamos pouca ideia de como o novo modelo de fato deveria funcionar. Tanto eu como boa parte do time sênior tínhamos um DNA de eficiência inspirado no modelo de gestão e cultura que a Ambev e depois a 3G espalhou pelo mundo. A Nextel ainda tinha traços da multinacional americana rica que foi em um passado não tão distante e essa cultura de eficiência seria fundamental para nos ajudar a fechar o ralo de custos. Mas também sabíamos que para fazer o plano Nextel 2.0 acontecer precisaríamos combinar esse modelo com a nova economia.
Nesse território tínhamos obviamente as referências que todas as empresas têm – os Spotifys, Googles e Amazons da vida, empresas que admirávamos e que tinham conseguido criar modelos de gestão ágeis como queríamos, mas que já nasceram digitais. Transformar uma multinacional americana de 20 anos numa mistura de Ambev com nova economia precisaria de algo diferente e muito específico. O mais interessante é que todas essas referências da nova economia tinham apenas uma coisa em comum: cada uma tinha descoberto o modelo que mais fazia sentido para sua própria realidade. Sabíamos que tínhamos que fazer o mesmo e trilhar nosso próprio caminho. Para isso precisaríamos de gente boa para nos desafiar, agregar conhecimento e nos ajudar a dar ritmo e cadência na execução da transformação. Trouxemos especialistas de mercado para temas específicos, e a Visagio para ajudar a orquestrar e tocar diversas frentes. Com essa ajuda, começamos a criar nosso novo modelo de gente e gestão.
O primeiro obstáculo na implementação era o plano em si. Sabíamos onde queríamos chegar, mas intencionalmente não tínhamos a menor ideia de como chegar lá. Eu sempre fui crítico da energia desperdiçada na construção de roadmaps de transformação. No nosso caso, um turnaround nervoso, seria loucura gastar tempo com um exercício de futurologia que após poucos meses certamente viraria mais uma obra de ficção nos arquivos da Nextel.
O destino estava claro, mas o caminho seria definido passo a passo. Na época, a Nextel Brasil era uma corporação americana listada na NASDAQ, com isso nos reportávamos ao conselho de administração nos Estados Unidos. Nele, nosso principal rito era a validação do business plan de três anos e do orçamento anual, que eram uma tradução em grandes números de onde esperávamos chegar com o ambicioso plano de transformação. Esse processo resultava em metas agressivas – não só para receita, EBITDA e fluxo de caixa, mas também para o NPS, dado o nosso pilar de sermos a telco mais admirada pelos clientes. Além disso, essas metas eram a base de nosso guidance para o mercado de ações, mas a boa notícia é que elas eram apenas um guia, dando os limites e quantificando o impacto esperado das nossas ações, mas tínhamos total liberdade para manejar o que fosse necessário.
Com toda essa pressão por melhoria dos resultados, sabíamos que a transformação precisaria ser acelerada e teríamos que mostrar evolução a cada ciclo. Por isso, decidimos abandonar os tradicionais ciclos anuais, e dali em diante todo o planejamento na Nextel seria trimestral. Isso nos trazia o desafio de a cada trimestre mobilizar a empresa inteira para definir e executar as novas iniciativas que nos aproximariam da visão da Nextel 2.0, e foi aí que decidimos cair de cabeça nos OKRs (objectives and key results) para garantir alinhamento, foco e ritmo.
Falar de OKRs atualmente é chover no molhado e se você não conhecer a metodologia, pode se preocupar. Naquela época, já conhecíamos ou achávamos que conhecíamos. O conceito de OKRs é extremamente simples: basicamente uma frase inspiradora para definir o objetivo associando critérios claros de medição do seu atingimento.
Os puristas certamente vão ficar bravos, mas cá entre nós, OKRs é uma versão melhorada dos modelos tradicionais de gestão de projetos que todos nós usamos há décadas. A principal diferença é que, no melhor espírito ágil, os OKRs focam no que se quer atingir e não no como vai ser feito. No modelo tradicional, é muito comum os times virarem reféns de atividades e cronogramas definidos quando ainda se conhece muito pouco do problema/oportunidade, enquanto que no modelo de OKRs os times têm liberdade e autonomia para definir os seus caminhos e mudar o planejamento se julgarem necessário para atingir os reais objetivos de negócio definidos.
Os ciclos de planejamento mais curtos dos OKRs forçam os times a quebrarem grandes problemas em pedaços realizáveis em um trimestre, gerando pragmatismo e foco nas entregas, ao passo que longos projetos tradicionais são caixas pretas com difícil mensuração de resultado, sobretudo nas etapas iniciais. Assim, os OKRs nos davam a flexibilidade de reavaliar as iniciativas a cada trimestre, podendo abandonar as que já tivessem atingido resultados satisfatórios ou as que não tivessem conseguido provar seu mérito. No modelo tradicional, muito provavelmente seguiríamos o cronograma até o fim de maneira dogmática.
Apesar do conceito ser simples de entender, implementar OKRs é bem difícil e a maioria das empresas que visitamos à época, mesmo da nova economia, ainda estavam batendo cabeça. E o problema era que, justamente pela simplicidade, o conceito é muito pouco prescritivo e quando implementado gera diversas dúvidas:
- Qual a granularidade dos OKRs? Diretoria? Time? Projeto? Individual?
- Como cascatear os OKRs entre esses vários níveis?
- Se uma mesma pessoa está em mais de um time (ex: área e projeto), ele tem mais de um conjunto de OKRs?
- Como implementar o conceito da “corda esticada”, que não é nem intuitivo nem objetivo? A metodologia pressupõe metas arrojadas e define sucesso qualquer atingimento acima de 70%, o que eu chamei internamente de “o 70% é o novo 100%”. Mas infelizmente os nossos cérebros estão condicionados que sucesso é superar 100% e temos dificuldade definir alvos que não acreditamos que possam atingidos na plenitude. Na prática vira uma confusão, uma vez que alguns times incorporam o conceito da corda esticada enquanto a maioria, pelo menos no começo, fica presa no modelo tradicional. Como garantir accountability nesse cenário?
- Os puristas da metodologia desincentivam fortemente a associação dos OKRs à remuneração, mas como poderíamos garantir a atenção necessária ao tema e implementar a cultura meritocrática que queríamos se não vinculássemos este tema a remuneração?
- O que fazer com os KPIs, que até então eram o epicentro de nosso modelo de gestão?
Hoje já conseguimos achar as respostas para boa parte dessas perguntas, mas na época tivemos que experimentar para aprender. Assim, fizemos o que até então tinha sido a maior implementação de OKRs no Brasil. Depois de um piloto em uma diretoria por um trimestre, no começo de 2018 colocamos mais 1.500 colaboradores para trabalhar com OKRs.
Mal sabíamos nós que, além dessas dúvidas conceituais, seríamos literalmente soterrados por exceções e questões operacionais não previstas. Durante o ano, a cada trimestre fomos forçados a fazer inúmeros ajustes de questões operacionais e conceituais no modelo e, por mais que estes fossem necessários, sofremos muitas críticas do time pelas constantes mudanças.
Apesar de todas as melhorias ao longo do ano, terminamos 2018 com o sentimento que ainda faltava algo mais estrutural do que os ajustes que tínhamos feito ao longo do ano. E o que nos deu clareza do que faltava foi o grande sucesso do modelo de gestão em 2018: os OKRs Corporativos, que eram as principais iniciativas, normalmente em torno de 12, que escolhíamos para mobilizar a empresa a cada trimestre. Se conseguíssemos replicar o sucesso na execução dos grandes temas para o long-tail criaríamos dezenas de pequenas transformações espalhadas pela companhia e aí sim as coisas ficariam legais.
O segredo por trás do sucesso dos OKRs corporativos
Na prática, os OKRs corporativos eram o foco de toda a liderança, mas os principais atores inevitavelmente eram as áreas de negócio (comercial, marketing e atendimento) e tecnologia. Logo percebemos os principais elementos do sucesso dos OKRs corporativos: discussão de qualidade para construção de uma visão compartilhada, quebra dos grandes desafios em passos que coubessem em um trimestre e clareza de onde precisávamos chegar e onde deveríamos atuar.
O ciclo dos OKRs corporativos começava com um workshop na última quinzena do trimestre em curso. Lá, onde a liderança estendida da empresa, em torno de 30 pessoas, se reunia por aproximadamente cinco horas no nosso auditório e inevitavelmente terminava com uma lista com aproximadamente 12 iniciativas (objetivos corporativos) que seriam o foco da empresa no trimestre seguinte. Dez dias depois, tínhamos um segundo encontro onde o dono de cada objetivo corporativo, na maioria das vezes um gerente acelerado e fazedor, apresentava para discussão e validação o direcionamento, time e impacto esperado (key results). Pelo seu modelo de construção, os objetivos corporativos sempre tiveram muita legitimidade e buy-in. Adicionalmente, nos workshops com a liderança contávamos com moderadores que nos ajudavam a sair dos pilares e KPIs e chegar em objetivos que coubessem em um trimestre. As discussões eram acaloradas, mas funcionava muito bem.
Com os OKRs corporativos definidos, começamos o alinhamento dos OKRs do restante da empresa e mesmo áreas envolvidas diretamente nos objetivos corporativos precisavam desafiar outros aspectos das suas operações definindo o que chamávamos de ‘Objetivos de Área’. Infelizmente, a grande maioria das áreas não dedicavam o tempo necessário ou nem realizavam esse rito de maneira adequada. Em muitos casos, os OKRs eram produzidos a toque de caixa pelo líder da área, sem envolvimento do time, ou mesmo quando trabalhavam em grupo, se perdiam nesse processo de “descascar a cebola” e definir iniciativas que coubessem em um trimestre. No segundo semestre de 2018 introduzimos a OKR Week, que acontecia sempre na primeira semana do novo trimestre. Durante essa semana as áreas poderiam, se julgassem necessário, agendar sessões com facilitadores que ajudavam os times a definir os OKRs.
O modelo estava funcionando bem para os times que faziam uso dessas sessões. Assim, em 2019 aumentamos significativamente os recursos disponíveis na OKR week e fizemos essas sessões obrigatórias para todos os times. Esse suporte, misturado à pressão da participação do time de gestão nas reuniões das áreas, deu o empurrão necessário para tirar boa parte dos times da inércia.
Essas mudanças operacionais foram importantes e ajudaram bastante, mas sabíamos que precisaríamos mexer num ponto central do conceito do nosso modelo para realmente acelerar os OKRs de área: trazer os KPIs de volta. No início da implantação dos OKRs, achamos que os KPIs atrapalhariam o roll-out e decidimos deixar sua gestão exclusivamente por conta das áreas, sem o acompanhamento do time de transformação. Porém, sem a cobrança, em pouco tempo percebemos que muitas áreas abandonaram os KPIs.
Nos OKRs corporativos sempre partíamos dos 4 pilares da nossa transformação e dos KPIs do nosso budget para terminar o workshop com uma lista entre 10 e 12 objetivos para entregarmos os nossos resultados. No processo de planejamento das áreas, esses pontos de partida não estavam tão claros. Para piorar, em alguns casos KPIs, começavam a aparecer disfarçados de OKRs, principalmente na área comercial e operações. Ficou claro que os OKRs não tinham vindo para substituir os KPIs, mas sim para se somarem aos KPIs. Percebemos naquele momento que os KPIs e OKRs não eram conflitantes, pelo contrário, eram dois lados da mesma moeda.
O KPIs, como o próprio nome diz, são as principais métricas do negócio, abrangendo as várias dimensões relevantes, muitas vezes inspirados no Balanced Scorecard. Eles funcionam bem como mensuração da performance, mas não resolvem o problema de fazer as coisas acontecerem e, até por isso, são muitas vezes associados a ciclos reativos de PDCA que despejam dezenas ou centenas de iniciativas num escritório de projetos. No nosso modelo, os OKRs assumiram o papel de organizar e materializar a agenda de melhoria dos KPIs, o que em outras palavras, implica que eles eram o ponto de partida para os OKRs. No mundo obcecado por modismos que vivemos, os OKRs são “vendidos” com o modelo para substituir os KPIs. Nós embarcamos nessa furada, mas felizmente mudamos de rota rapidamente.
Assim, já no começo de 2019 começamos com o modelo que integrava KPIs e OKRs. Em uma tentativa de organizar conceitos e essa sopa de letrinhas, nasceu o termo KPR, que não só mostra a inter-relação dos dois conceitos, mas principalmente deixa claro o foco em resultados. Indicadores olham para trás e são somente um meio para medir performance. O que realmente importa é construir pró-ativamente resultados.
No novo modelo cada área tinha entre 3 e 5 KPIs, não mais do que isso, que mediam a contribuição da área para o negócio. Diferentemente dos OKRs corporativos, os KPIs e OKRs de área não eram acompanhados pelo comitê executivo, mas em uma governança da própria área comigo e com o Chief Transformation Officer.
Principais aprendizados
A implantação desse modelo esteve longe de ser perfeita ou sem soluços, mas conseguiu mudar estruturalmente uma empresa de 20 anos de idade. Tanto o modelo de gestão como o plano Nextel 2.0 conquistou os hearts and minds de quase 3.000 pessoas e assim viabilizou implementar uma transformação ambiciosa que gerou alto impacto no negócio rapidamente. Tivemos bastante ajuda externa, principalmente de consultorias operacionais, com destaque para a Visagio, e quase duas dezenas de advisors, normalmente ex-executivos que nos apoiaram na transformação de temas específicos.
Entretanto, o mais interessante é que a grande maioria dos protagonistas dessa transformação estavam na Nextel quando eu cheguei. A empresa tinha um time forte que estava sendo engessado por uma estrutura pesada no topo e muitos níveis hierárquicos. Mas esses talentos só puderam aflorar graças à redução de 30% de headcount, que eliminou quase dois níveis hierárquicos na média da empresa.
Eliminei no mesmo dia que assumi a empresa as três posições mais sênior da empresa. Além do espaço, essa troca da liderança quebra o vínculo com o passado e cria um terreno muito mais fértil para a transformação. O nosso driver na redução da estrutura era economizar, mas hoje tenho clareza da importância de romper com o passado e empoderar sangue novo, mas que também pode ser de dentro da organização.
Apesar do caminho árduo até chegar aos KPRs, o modelo de gestão foi um dos protagonistas dessa transformação. No primeiro ano tivemos mudanças de abordagem a cada trimestre, depois fomos estabilizando. Chegamos a fazer OKRs individuais no início, mas gastava muito tempo e os OKRs saíam com pouca qualidade dada a maturidade do time no conceito, então abandonamos. A propósito, a humildade de reconhecer os erros e voltar atrás foi fundamental ao longo do processo em várias situações.
O tema de avaliação de desempenho é uma das coisas que não acredito termos resolvido 100%. Eu, pelo menos, vivia um conflito constante entre minha veia mais meritocrática histórica e uma abordagem mais colaborativa, sem metas individuais e muito mais focada na performance da empresa e dos times, como preconizam os “pensadores digitais”. Acabamos fazendo algo híbrido, com um percentual mais alto para as metas da companhia e um percentual menor dividido entre avaliação comportamental (dez critérios, sendo oito padrão da empresa e dois flexíveis por área) e uma avaliação discricionária do gestor do impacto individual das pessoas no atingimento dos resultados tanto no dia-a-dia como na transformação, com curva forçada.
Além disso, colocamos um percentual bem baixo ligado ao atingimento dos KPIs e OKRs dos times, basicamente para ressaltar sua importância para a companhia (apesar da recomendação expressa dos “OKRistas” para não atrelar OKRs a avaliação, que entendemos, mas decidimos subverter um pouco). O modelo funcionou, mas tinha suas limitações. Por exemplo, os times das áreas que eram cedidos para os squads tinham pouquíssima interação com seus gestores funcionais na prática, mas continuavam sendo avaliados por eles. Enfim, tínhamos questões ainda não plenamente resolvidas.
Um dos pontos mais importantes a ressaltar é o papel do Chief Transformation Officer em todo esse processo. Tínhamos o cara certo (André Fossa), com experiência tanto em consultoria e grandes empresas quanto no ambiente de startups. Assim, ele tinha bom trânsito com os executivos e sabia quando endurecer a discussão, enquanto era também respeitado e falava a língua da “garotada digital”. A área dele fazia toda a gestão do programa de transformação, incluindo das rotinas de planejamento e revisão dos KPIs e OKRs (de área e corporativos), mediação de conflitos entre áreas etc.
Diferente do que fizemos na Nextel, onde de uma única vez implementamos OKRs em toda a empresa, hoje tenho clareza que a jornada dos OKRs deve começar pelo topo da empresa e depois ser cascateada. Além de mais fácil e menos arriscado, o grosso do impacto vem mesmo dos objetivos corporativos. E modéstia à parte, criamos um excelente modelo para executar essa agenda.
A nossa intensidade de comunicação e foco nos objetivos corporativos geraram altíssimo alinhamento e mobilização de toda a empresa. Até a normalmente difícil tarefa de angariar recursos das diferentes áreas para montar o time responsável pelo objetivo corporativo era relativamente fácil. Como os objetivos corporativos tinham prioridade na companhia e alta visibilidade junto à liderança, sendo acompanhados mensalmente no comitê executivo, as pessoas gostavam de fazer parte dos times. Esses times multidepartamentais focados em objetivos corporativos não eram times ágeis de produtos strictu sensu dado as pessoas não eram 100% dedicada e os próprios times não eram perenes. Essa mesma dedicação parcial desses “falsos squads” (30% a 50%) resultou em times mais seniores que funcionaram muito bem para os problemas complexos e de alto risco que tínhamos na agenda.
A nossa área de Digital tinha squads (de fato) que eram responsáveis por suportar os objetivos corporativos no que se relacionava ao desenvolvimento de produtos e soluções. Lembrando que definíamos os objetivos e key results, não o como implementar – isso era definido pelos próprios times, que muitas vezes usavam métodos ágeis. Além de empoderar e incentivar a criatividade dos times, o modelo garantiu ritmo e dinamismo.
Com esse modelo, traduzimos o nosso BP de 3 anos em orçamento anual, este em KPIs e OKRs trimestrais, que se desdobravam em objetivos corporativos trimestrais que eram quebrados depois em sprints menores através dos donos e times. Com isso, garantimos que nossa execução diária estivesse totalmente direcionada para o que tínhamos de visão no médio-longo prazo (lembrando que a própria visão, aqui representada pelo BP, ia se ajustando conforme avançávamos). Ao final de cada ciclo trimestral, fazíamos uma reunião de fechamento onde os times apresentavam os resultados , discutíamos e documentávamos as lições aprendidas.
Resultados
A transformação que o time conseguiu em três anos foi incrível. Saímos de um EBITDA muito negativo para um EBITDA positivo em apenas 4 trimestres, e daí em diante por todos os trimestres seguintes. No ano de 2019 o nosso EBITDA positivo viabilizou o que o fluxo de caixa operacional fosse positivo mesmo com o alto capex característico da nossa indústria. De estagnada em número de clientes, fomos a empresa móvel com a maior taxa de crescimento em 2018. Nosso NPS saiu de 14 e ficou sempre acima de 30 pontos, o melhor entre as telcos, o que nos levou a ganhar o título da Anatel em 2019 de melhor operadora do Brasil naquele ano. E saímos de um índice de 40% de colaboradores insatisfeitos para 5%. Deixamos de ser uma empresa praticamente quebrada e voltamos a ser competitivos, o que culminou na compra da companhia pela Claro por um valuation impensável antes do início da virada.
Evitei, propositalmente, falar de transformação digital e tecnologia ao longo deste artigo, embora seja como o mercado chama o que fizemos na Nextel. Acho que a transformação teve muito de digital sim – principalmente em relação ao mindset do time. Ao final tínhamos mais agilidade e experimentação com liberdade ao time para errar, centralidade do cliente de fato (implementamos um programa de Customer Experience que foi um dos pilares do crescimento e aumento do NPS), times ágeis de produto etc.
Entretanto, acho que a transformação foi além do digital. Tivemos uma pauta de eficiência muito forte, principalmente no início, para fechar a torneira e garantir saúde financeira mínima para começarmos a sonhar com algo maior. E essa pauta, diferente da transformação digital, que é empolgante e gera energia positiva, é bastante dura. Envolve demissões, cortes de custos, renegociação de dívidas com bancos etc. Mesclar os dois temas teve papel importante para garantir que o time vislumbrava uma Nextel melhor num futuro próximo, o que fez com que mantivéssemos boa parte dos talentos.
Essa abordagem de transformação mais ampla (eficiência e digital / crescimento) não é exclusividade da Nextel – já há inclusive diversos livros a respeito. Chamamos de full transformation, mas já vi transformação dual, fit to growth etc. Acho que o nome é menos importante do que o conceito por trás e a forma de fazer. Tentei aqui abordar um pouco do que fizemos, pode ser que gere alguns insights, mas acho que o mais importante é cada empresa encontrar seu próprio caminho em função da cultura e momento da companhia. O mais importante é começar – no nosso caso esse passo inicial foi devido a uma experiência de quase-morte, mas talvez esse não precise ser o seu caso.