O que há por trás da tecnologia que redefine fronteiras em armazenamento e compartilhamento de informação
As novas tecnologias que surgiram nos últimos anos prometem gerar juntas um dinamismo econômico sem precedentes a nível global. Big data, inteligência artificial, machine learning, internet das coisas, criptomoedas, blockchain e impressão 3D combinados têm o potencial de romper a cadeia produtiva e reorganizá-la de forma mais eficiente, responsável, precisa, personalizável e, acima de tudo, descentralizada. Todas essas características reforçam a tendência de cortar intermediários e usufruir de alguns dos grandes motivadores originais da internet: independência e comunicação direta a nível mundial.
Nos últimos meses, o termo blockchain ganhou um espaço muito grande na mídia, principalmente pela hipervalorização das criptomoedas. Apesar disso, a aplicação dessa tecnologia ultrapassa as fronteiras do mercado financeiro e pode revolucionar em diversos aspectos os setores público e privado. Em um futuro não muito distante, podemos ter uma verdadeira reestruturação de como as interações acontecerão, sejam elas entre pessoas, entre pessoas e máquinas ou até mesmo entre máquinas.
Afinal o que é Blockchain?
Blockchain pode ser definido como um registro incremental, imutável, transparente e distribuído baseado em consenso.
Esse sistema permite que se acrescente dados – um novo bloco – mas que não se modifiquem ou apaguem dados anteriores, formando assim uma corrente de dados.
Para isso, ele usa um mecanismo que cria consenso entre os atores, que são distribuídos e não precisam confiar entre si, mas apenas no mecanismo usado para chegar ao consenso. Assim, nenhum ator poderia consistentemente agir sozinho sobre a rede e forçá-la a aceitar algo que os outros rejeitam. Basicamente, blockchain é uma tecnologia capaz de manter registros e suas atualizações de forma praticamente impossível de se fraudar ou se alterar após o registro.
As regras de validação das atividades no blockchain variam de acordo com o blockchain, mas o conceito básico é que qualquer transação precisa ser validada por grande parte da rede, o que inviabiliza fraudes e ataques hackers. A robustez e a confiabilidade do sistema aumentam com a soma do poder de processamento dos computadores conectados à rede. Com essa segurança, acordos antes confiados a terceiros e intermediários podem ser substituídos por essa “validação digital de verdade”.
Expansão e extrapolação tecnológica
Abrindo um pouco o cenário como um todo, a sinergia criada entre o blockchain e algumas outras tecnologias já citadas é essencial para o uso mais competitivo de todas essas inovações. Por exemplo, para que a impressão 3D atinja um nível global de produção customizável, ela tem que se apoiar em um tipo de controle de transações e registros automatizado, seguro e confiável a todas e quaisquer partes envolvidas. Atualmente apenas o blockchain garante que, aquilo que foi acordado por ambas as partes, continuará registrado e será cumprido, podendo registrar desde parâmetros de projetos e especificações de produto a pagamentos e controles de produção, garantindo o número de exemplares impressos (particularmente este último já foi alvo de discussões delicadas sobre o controle de reprodução de programas e códigos virtuais).
Saiba Mais: O blockchain e a privacidade das informações
Existe uma discussão relevante acerca do blockchain e da segurança das informações devido ao armazenamento e compartilhamento de dados históricos que não podem ser apagados. Afinal, é natural que empresas e pessoas tenham receio de expor suas informações sigilosas para concorrentes, parceiros ou qualquer pessoa conectada à rede.
Para as pessoas, o principal impacto está relacionado à impossibilidade de sigilo e à “infração do direito a desaparecer”. O armazenamento “infinito” e disponibilidade de informações sensíveis para terceiros – como antecedentes criminais, notas em concurso público, entre outras – podem levar à marginalização de pessoas sem que as mesmas tenham direito de reverter essas percepções.
Já no caso das empresas, mesmo usando criptografia avançada, uma vez que a informação é registrada, ela fica vulnerável a tentativas de decriptação. Especialmente com o desenvolvimento da computação quântica, capaz de testar combinações de forma significativamente mais rápida, as empresas têm investido cada vez mais em especialistas em criptografias sofisticadas para proteger suas informações.
Quando pensamos do ponto de vista do governo e da regulamentação de atividades, um ponto importante sobre a tecnologia é o seu nível de controle automatizado e democrático. Com a exposição e conexão integrada propostas pelo blockchain, órgãos reguladores teriam maior facilidade para cobrar impostos e regulamentar pessoas físicas e jurídicas. Ao mesmo tempo, esse tipo de visibilidade possibilita o acesso da população às contas públicas, fazendo com que os próprios governos enfrentassem um obstáculo maior para desvios de recursos e favorecimento de fornecedores.
Por outro lado, existe uma preocupação com relação à segurança das informações pelo fato de vincular-se todas informações a uma única chave, fazendo com que seu roubo possibilite o acesso a todas informações a ela atreladas. A solução para esse problema seria o armazenamento das chaves reais em um outro blockchain. Como exemplo, temos o caso do governo americano que está estudando a implementação do blockchain no sistema eleitoral, registrando se a pessoa votou ou não em um sistema, mas mantendo o voto em si em outro blockchain de acesso restrito.
Pensando em supply chain, a interação com internet das coisas torna-se indispensável. Com a adição de sensores e tags, o controle e visibilidade das condições de transporte, quantidades e qualidades dos produtos pode se tornar total, ou muito próxima disso. Já existem casos em que pescados podem ser comprados no Japão, sendo garantidos pelo histórico do local de pesca e das condições de transporte.
Adicionalmente, pode revolucionar o comércio. Blockchain permite que contratos sejam fechados em minutos sem necessidade de encontro físico, expandindo a ideia de um mercado livre ordenado por todos. Algumas empresas estudam a viabilidade de usar blockchain e passar a espera entre comprar e possuir um carro já produzido de 3 dias para alguns segundos.
Extrapolando esse conceito, surgiu a ideia de smart contracts (contratos inteligentes). Eles são basicamente programas de computador que executam ordens automaticamente conforme o tempo for passando ou ações acontecendo. E justamente por usar blockchain, permitem que desconfiados possam interagir diretamente após acordarem os termos do contrato. Por exemplo, o pagamento a fornecedores proporcional à qualidade e quantidade de produtos entregues, tudo avaliado e controlado automaticamente. Ou mesmo uma mudança no pagamento de salários, que ao invés de ser feita mensalmente pode ser feita por minuto ou etapa de projeto.
O conjunto de vários contratos inteligentes, possibilitam a formação das Decentralized Autonomous Organizations (DAOs) (Organizações Descentralizadas Autônomas). DAOs são empresas regidas por programas de computador registrados em blockchain, que executam processos inteiros e proveem serviços completos. Esse tipo de empresa rompe a estrutura, identidade e organização de trabalho de forma sem precedentes. O trabalho pode ser feito por pessoas de diferentes países que nunca se encontraram pessoalmente ou mesmo nem sabem seus verdadeiros nomes, e ainda em diferentes momentos. Justamente por não pertencer a um país específico, um dos entraves – se não o maior – das DAOs é jurídico. Como taxar e regulamentar uma empresa que não está fisicamente em nenhum local é um desafio que muitos governos estão tentando solucionar. Atualmente, as principais DAOs são relacionadas a serviços financeiros e de investimento, e usam, principalmente, a mesma blockchain da moeda Ethereum.
É importante ressaltar que smart contracts e DAOs podem interagir entre si. Assim, teríamos uma forma de arbitrar interações entre pessoas, entre pessoas e máquinas e entre máquinas. Essa aplicabilidade pode ser fundamental para novos avanços no desenvolvimento de inteligência artificial e machine learning.
A tecnologia blockchain promete uma verdadeira revolução na internet e na economia. Com grandes aplicações já acontecendo no mercado financeiro, em processos e no supply chain, diversas empresas e governos já estudam a nova tecnologia para verificar o potencial de transformação em seu negócio e os ganhos que pode trazer no curto, médio e longo prazo.
Porém, o que muitos chamam de libertação e democratização da internet certamente ainda não está maduro o suficiente para as funcionalidades e aplicabilidades que todos anseiam. Ainda existem muitos céticos, que desconfiam da tão sonhada e prometida segurança, com receio de confiar cegamente em algo que para outros é a Internet 2.0.
Os mais realistas estudam e modelam a tecnologia e suas aplicações para desenvolvê-la da maneira mais útil possível. Principalmente no que envolve outras novas tecnologias como machine learning, inteligência artificial e impressão 3D. Superando os desafios e se modelando às necessidades, o blockchain tem tudo para revolucionar o mundo.
Referências Externas
[1] Supply Chain 24|7 _ Why Blockchain is a Game Changer for Supply Chain Management Transparency
[2] Supply Chain 24|7 _ Is Blockchain in the Supply Chain Coming of Age?
[3] Coindesk _ A (Short) Guide to Blockchain Consensus Protocols
[4] Coindesk _ No One Should Control the Blockchain Supply Chain
[5] Coindesk _ How Blockchains Will Turn Supply Chains Into Demand Chains
Sobre o autor
Gabriel Yin é consultor da Visagio com atuação em projetos com foco em logística e possui experiência no setor de energia